quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

James Buchanan e a “política” na escolha pública


Marco Antonio Dias*
Introdução
O político é aquele indivíduo que pede dinheiro aos ricos e votos aos pobres, prometendo, se eleito, defender uns dos outros. (James Buchanan)
James M. Buchanan Jr. nasceu em Murfreesboro, Tenessee, no dia 3 de outubro de 1919 e durante a maior parte de sua vida acadêmica esteve ligado a George Mason University, no estado de Virgínia, onde foi diretor do Center for the Study of Public Choice, sendo em 1986, laureado com o Prêmio Nobel de Economia.

Dentre suas contribuições liberalistas, deu inicio à vertente que é conhecida como Teoria da Escolha Pública (Public Choice) e que se caracteriza por introduzir o individualismo metodológico e o instrumental matemático na ciência política.

Segundo Toneto (1996), Buchanan viveu em um ambiente em que dominava o keynesianismo (pós-Segunda Guerra), com sua defesa da intervenção do Estado na economia em virtude das falhas de mercado.

Com a desaceleração do crescimento mundial após a década de 60 e o surgimento das críticas ao keynesianismo, Buchanan começa então a desenvolver sua teoria na Universidade de Chicago, centro difusor das críticas ao keynesianismo. Ao perceber a efervescência deste contexto, James Buchanan apresenta as duas grandes preocupações que podem ser identificadas por trás da elaboração da teoria da escolha pública.

A primeira dizia respeito à excessiva matematização que, cada vez mais, assumia papel central na formulação teórica da época, e da qual a teoria das expectativas racionais é um ótimo exemplo. Para Buchanan, ao se preocuparem em elaborar modelos de análise com enorme sofisticação matemática, os economistas estavam se esquecendo daquilo que para ele deveria se constituir no essencial da análise teórica: compreender as motivações que explicam as decisões dos agentes econômicos. Com evidente ironia, Buchanan referia-se aos economistas matemáticos como “eunucos ideológicos”.

A segunda preocupação dizia respeito à acentuada politização das decisões econômicas, que era decorrência direta da enorme influência das políticas econômicas de inspiração keynesiana, como já mencionado anteriormente. A transferência para o âmbito da política muitas vezes fazia com que a racionalidade econômica fosse suplantada pelos interesses dos políticos envolvidos na tomada de decisões.

Como bem observou Buchanan, o economista e o político trabalham com vetores distintos, onde o primeiro tem por parâmetro fundamental em suas tomadas de decisão a eficiência, procurando sempre a alocação Nesse sentido, o político, principalmente em períodos eleitorais, tem o costume de prometer mundos e fundos para conquistar os votos dos eleitores, desconsiderando, muitas vezes, os limites impostos pela escassez dos recursos produtivos.

Daqui surgem duas letais armadilhas; a primeira é o Estado entrar em todas as áreas da sociedade, tornando-se um Leviatã1 e sufocando as liberdades individuais, conforme pressupõe os ensaios sobre a liberdade de Stuart Mill. A segunda e não menos letal é os políticos utilizarem os bens públicos para atingir seus fins privados: a corrupção.

Assim, se a existência do Estado é necessária devido às falhas de mercado, para corrigir externalidades e conseguir assim melhorias de bem-estar, através da provisão de bens públicos, a preocupação de Buchanan é a limitação dos poderes do Estado para evitar as falhas deste.

Escola Public Choice

De acordo com Araújo (2003), o postulado básico da Public Choice coloca-a na corrente da filosofia política que inclui autores do calibre de Thomas Hobbes, Alexis de Tocqueville, Maquiavel, Stuart Mill e David Hume.

As origens da Public Choice podem ser localizadas no final da década de 1940, conforme contextualizado na introdução deste artigo, à luz do debate sobre as funções de bem-estar de Bergson e Samuelson (Mueller, 1989).

Os modelos de socialismo de mercado desenvolvidos nos anos 30 e 40 do século XX visualizaram o Estado como provedor de bens privados2 (Mueller, 1989). A intervenção estatal seria necessária para suplementar a insuficiência de investimentos privados, causa principal do desemprego, segundo a análise keynesiana. No período posterior à II Guerra Mundial os problemas referentes à eficiência alocativa continuaram demandando atenção.

No entanto, passado este período, o bom desempenho da economia mundial reduziu o interesse sobre os problemas relacionados ao desemprego e a redistribuição de renda.

Nas décadas de 40 e 50 tornou-se dominante uma literatura sobre falhas de mercado (bens públicos, externalidades e economias de escala) que fornecia uma explicação natural para a existência do Estado devido ao fato de o mercado, em determinadas condições, não ser capaz de levar a economia à condição ótima de Pareto.3

Segundo Buchanan (1949), a teoria e a prática das finanças públicas deveriam ser revisadas para relacionar a distribuição individual do custo público à distribuição individual de benefícios, de modo que as pessoas pudessem visualizar o que eles recebem em troca dos impostos que pagam.

A pergunta fundamental colocada pela Public Choice era: se o Estado existe como uma espécie de substituto do mercado para fornecer bens públicos e eliminar externalidades, como seria possível a revelação das preferências por esses bens públicos?

Contudo, a Teoria da Public Choice começa a ter notoriedade nos estudos acadêmicos e passa a ser entendida como uma extensão dos métodos da teoria econômica convencional para o ambiente conhecido como mercado político. O principal argumento era que, fosse no mercado, fosse na política, indivíduos comportavam-se da mesma maneira, ou seja, movidos pelas mesmas motivações – eram maximizadores do interesse próprio.

Tal abordagem tem como principais propugnadores Tullock (1962), Downs (1957) e Olson (1965), que acabaram influenciando com seus argumentos liberais Buchanan (1983), membro da então Escola de Virgínia ou Thomas Jefferson Center for Studies in Political Economy, responsável pela elaboração da perspectiva denominada Public Choice.

Surgida nos EUA nos anos 60, incorpora a segunda fase da Public Choice ostentando um quadro liberal em dois aspectos: quanto às críticas aos efeitos perversos da intervenção do Estado na economia e na sociedade como um todo,4 com efeitos à própria democracia; e quanto à formulação de um método de compreensão e análise da sociedade, com enorme influência às próprias Ciências Sociais (sobretudo em relação à Ciência Política). Trata-se do desenvolvimento da Teoria do Individualismo Metodológico.

Ainda vale lembrar que, apesar da ausência de citações nos trabalhos que envolvem a Public Choice, existe a contribuição de Schumpeter (1973) em Capitalismo, Socialismo e Democracia que apresenta a esfera política organizada como um mercado, em que os políticos atuam como empresários, intermediando a negociação em que se trocam votos por políticas, revelando que o que está em jogo no mercado político e econômico, são interesses privados.

Para compreender melhor a Public Choice, basta observar que o crescimento dos gastos públicos é devido ao auto-interesse de eleitores, políticos e burocratas, ou seja, os economistas e cientistas políticos ligados à Public Choice têm procurado demonstrar que os gastos públicos e a burocracia crescem de forma significativa e ineficiente, tornando a empresa pública menos eficaz que a empresa privada.

Esforços no sentido de abordar o processo político por meio de teorias pluralistas5 tendem a interpretar o Estado não como uma unidade autônoma e soberana, mas como resultado de reflexos provenientes de centros de ação sociais diversos. Conforme apontado por Offe (1996), os principais interesses organizados nas sociedades capitalistas competem com níveis de poder diferenciado, sem que seja determinada a priori a hegemonia de um grupo específico.

Mueller (1989) define Public Choice como:
"[...] the economic study of non-market decision-making, or simply the application of economic to political science. The matter of public choice is the same as that of political science: the theory of the state, voting rules, voter behavior, party politics, the bureaucracy, and so on. The methodology of public choice is that of Economics, however. The basic behavioral postulate of public choice, as for economics, is that man is an egoistic, rational, utility maximizer.”

Notadamente a análise da escola Public Choice situa-se sobre as finanças públicas, as políticas comerciais e as políticas regulatórias. Dentre as diversas idéias enfatizadas pela Escola da Public Choice destacam-se:

(a) logrolling – é o termo usado para denotar a troca de apoio entre políticos; quando os partidos são baseados em princípios de lealdade e disciplina partidária, a maior parte da atividade de logrolling é desenvolvida no interior dos partidos (na formulação dos seus programas); quando, ao contrário, os partidos são fracos e seus membros indisciplinados, as atividades de logrolling tendem a ser intensas e muitas vezes sem princípios;

(b) grupos de interesse – muitos grupos sociais organizados têm intenso interesse em influenciar o governo pelos grandes ganhos que estão em jogo. Estes grupos são constituídos por empresas, associações empresariais, grupos específicos de funcionários do governo, etc.

Tais grupos são organizados, têm recursos, e podem financiar lobistas de modo a exercer pressão sobre os legisladores e membros dos poderes executivo e judiciário, de modo que seus discursos ideológicos se pareçam com as reivindicações do interesse público. Os favores que eles almejam são obtidos à custa dos contribuintes que, por não estarem organizados, não têm condições de resistir – a pressão concentrada ultrapassa a resistência difusa.6

(c) burocratas – vários teóricos da Public Choice estudaram a burocracia, tanto em organizações públicas, como privadas, procurando explicar interesses e motivações dos burocratas e sua relação entre os interesses individuais e os da corporação. De acordo com Niskanen (1971), os burocratas tendem a maximizar os orçamentos dos órgãos governamentais, pois o seu interesse está diretamente vinculado à amplitude da sua ação administrativa.

(d) rent-seeking – tarifas sobre produtos e monopólios proporcionam ganhos para indústrias. Tradicionalmente, os economistas têm estudado os custos relacionados às perdas de consumo associadas à introdução dessas tarifas. Tullock (1967) identificou outros custos associados à busca pelas empresas (seeking) por tarifas e monopólios.

Teóricos da Public Choice detectaram custos semelhantes em regulação comercial ou industrial, licenciamento para profissões qualificadas, políticas de proteção ambiental, competição por cargos políticos e projetos de constituições nacionais. Orchard e Stretton (1997) e Silveira (1996), que se referem à Public Choice como uma das extensões do marginalismo, fazem duas críticas fundamentais:

"A primeira questiona a afirmação de que o comportamento individual no âmbito público e privado se baseia na mesma hipótese – a da maximização do auto-interesse. A polêmica é a mesma que foi iniciada por Downs (1957 e 1962) sobre a natureza do comportamento político. A questão é relevante dado o caráter axiomático do método aplicado pela Public Choice. Caso não seja razoável admitir o comportamento dos indivíduos no âmbito público (da mesma forma que no âmbito privado) como maximizador de utilidade e racional, a estrutura teórica da Public Choice sofreria um abalo significativo. Vale lembrar que o conceito de racionalidade individual da Public Choice não exige que o comportamento seja egoísta."

Segundo Buchanan e Tullock (1962),
"The analysis does not depend for its elementary logical validity upon any narrowly hedonistic or self-interest motivation of individuals in their behavior in social-choice processes. The representative individual in our models may be egoist or altruist or any combination thereof. Our theory is “economic” only in that it assumes that separate individuals are separate individuals and, as such, are likely to have different aims and purposes for the results of collective action. In other terms, we assume that men’s interests will differ for reasons other than those of ignorance."

Nas crises sociais agudas, como guerras e revoluções, a hipótese do homem político (com motivações diferentes da simples maximização do auto-interesse) apresenta-se mais plausível. Contudo, em situações de normalidade e estabilidade política, a hipótese do homem econômico na esfera pública e privada parece de acordo com o senso comum, principalmente num regime de estabilidade das instituições democráticas, o papel preponderante do auto-interesse no comportamento dos políticos e dos eleitores apresenta-se evidente e muito claro.

A segunda é semelhante àquela feita à economia neoclássica – o problema que Schumpeter chamou de vício ricardiano (Redman, 1997). Tal crítica aplica-se melhor no caso da Nova Economia Política, dada a sua característica peculiar de utilizar-se da modelagem matemática e, por conseguinte, de ancorar-se em simplificações axiomáticas potencialmente comprometedoras.

Modelo buchaniano

Conforme Souza (1996), os arranjos que virão ordenar as decisões coletivas repousa numa concepção de sociedade que não apresenta clivagens sociais agudas, sendo assim, a formação de coalisões previsíveis e em posição privilegiada estariam descartadas, conduzindo a uma certa igualdade entre os indivíduos que participam do processo de definição das regras de convivência , revelando o cerne do modelo buchaniano.

No ápice, o alvo das formulações buchanianas é a discussão sobre a natureza e o princípio que devem nortear a escolha das regras de agregação das preferências, destinadas a cumprirem um curso de ação modificadora ou de conservação do mundo material, tendo em vista o critério dos custos daí advindos.

A questão central para os contratualistas é aquela que enfatiza o problema dos limites e das formas de exercício do poder. Araújo (2003) alerta que, o que está em pauta é o sistema democrático representativo nas sociedades ocidentais, materializado em suas instituições através de sistemas eleitorais, legislatura mono ou bicameral, procedimentos decisórios ordinários (operacionais) e procedimentos para a escolha das regras de escolha (inclusive aqueles que prevêem os mecanismos de reformas constitucionais) e que dimensiona e controla a produção do poder.

Do lado oposto, em sociedades com grandes níveis de desigualdade social, tal aplicação do princípio poderia, à primeira vista, perturbar e levar a uma perpetuação do status quo. Ainda observa Araújo (2003), no caso brasileiro por exemplo, o Estado tradicionalmente tem sido utilizado como instrumento de abuso de poder por parte das minorias privilegiadas, o que poderia indicar que um sistema político baseado no princípio do benefício levaria fatalmente a uma reversão no quadro de desigualdade pela ação de dois efeitos:

(1) pelo fim das transferências de recursos dos pobres para os ricos;

(2) pelo início da transferência de recursos dos ricos para os pobres, impulsionado pelo sentimento altruísta reiteradamente manifestado em campanhas de solidariedade organizadas pela mídia ou espontaneamente, como tem sido observado, e que não se traduzem em decisões políticas pelo absoluto descrédito das populações com as instituições governamentais.

"A primeira questão a respeito de qualquer instituição política é o quanto ela tende a promover nos membros da comunidade as várias qualidades morais e intelectuais desejáveis (...)." (Mill, [1861], 1994)

Então pode se dizer que a análise sobre o Estado feita por Buchanan aponta para uma divisão em dois eixos; a fase do contrato constitucional, que seria o momento de constituição da sociedade, e o contrato pósconstitucional, entendido como a provisão dos bens públicos. Neste momento, Buchanan exibe a influência de Locke e Stuart Mill, pai e seguidor da obra liberal.

Dessa forma, de alguma maneira a escolha pública ou Public Choice, parece romper com a teoria econômica convencional, que para este autor a mesma estava muito preocupada com as propriedades puramente formais de seus modelos calcadas em seus mundos de fantasia, esquecendo-se de entender o próprio objeto da economia, qual seja, o processo de mercado e a relação deste processo com o conjunto institucional no qual as pessoas fazem suas escolhas.

Ainda sobre a teoria econômica convencional, Buchanan atribui duas outras grandes limitações: (1) não levar em consideração o quadro institucional – que é tomado como dado e (2) considerar o Estado um agente exógeno, obstruindo assim a análise do processo político.

Para Buchanan e Tullock (1962), a análise do quadro institucional se baseia na democracia individualista da ordem política (individualistic – democracy model) ou individualismo metodológico. Individualismo aqui referido não a um valor humano (no sentido de egoísmo), mas ao método analítico que parte da premissa de que é o indivíduo que, em última análise, se defronta com alternativas e realiza escolhas.7 Segundo esta perspectiva, não haveria intermediários nos processos de decisão coletiva, ou seja, não haveria necessidade de delegar a alguma autoridade a prerrogativa de fazer escolhas fiscais.

Deste modo, com as análises tributárias da teoria da “escolha pública” pretende-se alcançar as condições em que ocorre a alocação autorizada dos recursos públicos, definidos previamente, pela escassez. Por fim, esta abordagem visa elaborar modelos indicativos do processo de tomada de decisão nas instituições públicas tendo como suposto os cursos alternativos da ação pública.

Cálculo do consenso e a democracia constitucional

Esse modelo assume que cada cidadão possui, pelo menos remotamente, algum poder de mudar as políticas. A melhor política, segundo esta perspectiva é aquela escolhida pelo grupo, qualquer que seja, pois não há escolha mais adequada do que aquela feita individualmente por cada cidadão. Cada indivíduo sabe o que é melhor para si, onde mais uma vez o autor recorre a filosofia de Mill sobre a liberdade individual.

Logo o processo político é analisado à maneira tradicional da teoria neoclássica, como um processo de minimização de custos. Há dois tipos de custos envolvidos: os custos externos e os custos de transação. O primeiro tipo são maiores quanto menos os indivíduos puderem participar do processo decisório e mais tiverem que acatar, portanto, as decisões impostas. O segundo tipo são os custos envolvidos no próprio processo decisório, que são maiores quanto maior for o número de pessoas envolvidas no processo de decisão.

Há, portanto, um trade-off entre os dois custos (Toneto, 1996). Assim, além de o governo ter de intervir o mínimo nas liberdades individuais já que ele também tem falhas, ele deve ser mínimo também em outro sentido: é melhor que as decisões sejam tomadas em grupos menores, pois nestes é mais fácil chegar-se a um consenso. Daí resulta a defesa do federalismo ou da descentralização máxima da tomada de decisões, influência de Alexis de Tocqueville8 sobre Buchanan.

Segundo Tocqueville (1987), as instituições da soberania do povo acrescentaram outras duas vantagens políticas que contribuíram para salvaguardar a liberdade: a descentralização administrativa e as associações livres.

A descentralização administrativa na América produziu efeitos políticos admiráveis como reproduzidas nas palavras de Alexis de Tocqueville,

"Ali a sociedade age sozinha e sobre ela própria. Não existe poder, a não ser no seio dela; quase nem mesmo se encontram pessoas que ousem conceber e, sobretudo, exprimir a ideia de ir procurá-la noutra parte. O povo participa da composição das leis, pela escolha dos legisladores, da sua aplicação pela eleição dos agentes do poder executivo; pode-se dizer que ele mesmo governa, tão frágil e restrita é a parte deixada à administração, tanto se ressente esta da sua origem popular e obedece ao poder de que emana. O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. É ele a causa e o fim de todas as coisas; tudo sai do seu seio, e tudo se absorve nele."

O livro The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy,9 escrito em parceria com Gordon Tullock, tratou o fenômeno da burocracia estatal e tornou-se um marco de referência para os autores que, influenciados que foram, construíram seus modelos explicativos a partir do constructo de homo economicus.

Se os indivíduos têm idéias diferentes sobre o bem público, argumenta Buchanan, ou antes, agem segundo suas preferências, o processo político aí configurado deve ser analisado em termos dos “custos” advindos da obtenção de acordo entre as partes.

Pode-se afirmar que os mecanismos e os arranjos constitucionais daí decorrentes, constituem o foco privilegiado das atenções dos autores mencionados. As abordagens teóricas que buscam enfatizar os mecanismos que definem e delimitam o exercício do poder são conhecidas pela denominação de “contratualistas”.10 A obra de Buchanan pode ser considerada como representativa dessa matriz.

Buchanan indica que todo indivíduo considera como vantajoso explorar a possibilidade de organização de uma atividade coletiva quando supõe que a sua utilidade possa aumentar. Neste modelo, a utilidade individual pode ser aumentada pela ação coletiva de duas formas:

(1) a ação coletiva pode eliminar alguns custos externos impostas pelas ações privadas de outros ao indivíduo em questão,

(2) a ação coletiva é um meio para assegurar alguns benefícios adicionais ou externos que não estão previstos pelo comportamento privado puro.

Para Buchanan, a variável chave de sua análise refere-se aos custos da organização em si mesma, isto é, o custo derivado de decisões tomadas coletivamente. Para utilizar a sua terminologia, os custos da interdependência social deveriam estabelecer os parâmetros para escolher entre ação voluntária (individual ou cooperativa) e ação política (coletiva), pois o custo de organização das decisões voluntárias é zero.

Recorrendo a Maquiavel,11 Buchanan compara que raramente podemse reduzir os custos da atividade humana, pois uma atitude nesta direção significa novos custos. A existência de custos externos explicaria assim, do ponto de vista da racionalidade, a origem de atividades organizadas voluntariamente e de atividades cooperativas ou governamentais, estas últimas baseadas em arranjos contratuais.

A filosofia política e moral de Buchanan

Conforme constata Souza (1996), o autor recupera e incorpora as proposições construídas no âmbito da chamada revolução behaviorista12 no que se refere aos novos postulados metodológicos da ciência política. Seu interesse é discutir e fornecer elementos que possibilitem a construção de uma reflexão sobre a ciência política de tal modo que certos representantes da filosofia política clássica são enfatizados como elementos-chave nesta construção metodológica.

Segundo Simon e March (1979), na Teoria Comportamental, a organização é concebida como um sistema de decisões, e neste sistema cada pessoa toma decisões de forma racional e consciente, as quais vão gerar comportamentos ou ações. Assim sendo, as decisões são tomadas continuamente em todos os níveis hierárquicos da organização, em todas as áreas, em todas as situações e por todas as pessoas.

Na ciência política não é diferente, cuja finalidade behaviorista seria não só a de descrever a realidade, mas também a de fornecer os meios operativos para aí intervir, e ainda conclui Herbert Simon,

"A “organização é um complexo sistema de decisão” e neste sistema, cada pessoa participa racional e conscientemente, escolhendo e tomando decisões individuais a respeito de alternativas mais ou menos racionais do comportamento."

Lembra ainda Souza (1996), que Buchanan, ao invés de simplesmente rechaçar a tradição da filosofia política clássica nesta nova reconstrução metodológica da assim denominada “ciência política”, realiza uma incursão pelo pensamento filosófico, de modo a enfatizar apenas aqueles autores que definem e alimentam a matriz racionalista, e se contrapõe a uma concepção normativa do comportamento individual. Em sua formulação, tanto os economistas como os cientistas sociais e teóricos da política, deveriam pensar os homens da forma como são e não como gostariam que fossem.

Para o autor,
"[...] a obrigação ou dever do cidadão individual em obedecer à lei, de sujeitar-se ao desejo da maioria, e de agir antes coletivamente na esfera pública do que no interesse privado, são questões que ocuparam o centro das atenções de muitos filósofos políticos. São temas vitais e significantes, mas devem ser reconhecidos como pertinentes ao âmbito de uma moralidade pessoal, e como tais não competem à problemática própria da teoria política."

Desta forma, Buchanan enfatiza como fundamental o divórcio entre a política e a moral, no entanto, não sugere que o teórico da política tenha que restringir-se a uma atuação meramente historicista dos fenômenos da política, e sim, que suas reflexões apontem para uma dimensão do aperfeiçoamento das instituições políticas.

Buchanan lembra a linha filosófica do inglês Hume, que segundo ele, foi bem sucedido ao tentar assentar a idéia da obrigação política sobre o interesse, descartando aí, o princípio da moral e a teoria do contrato.

A propensão natural dos indivíduos em observar certas regras de convivência como as de justiça, portanto, sustentar-se-ia, segundo o esquema de Hume,13 no interesse egoísta de cada um. As regras e as leis de convivência sintetizadas numa constituição não devem, segundo Hume, partir do pressuposto da existência de virtudes privadas. Uma constituição verdadeiramente eficaz garantirá que os interesses privados dos homens (incluindo aí os homens “maus”) serão controlados e orientados no sentido de produzirem o bem público.

Conclusões

Uma das principais críticas em relação à teoria da Public Choice – é que esta seria uma visão bastante simplista do mercado político, por considerar apenas algumas poucas variáveis, sendo que muito outros fatores entrariam em questão na determinação de visões políticas. Questões relativas à análise do governo, eleitores, legisladores e burocratas e a falta da análise sobre o poder executivo, partidos políticos e outras organizações comprometem o encadeamento da teoria.

As decisões relativas aos benefícios e aos custos dos bens e serviços públicos poderiam resultar de uma votação majoritária (50%+1). É aí que entra no seu modelo, o sistema do logrolling. Como a política é feita de inúmeras questões abertas à decisão, e as preferências do corpo social são múltiplas, o comércio dos votos instalar-se-ia como um recurso natural e não como um comportamento necessariamente antiético.

O argumento essencial é o de que, sendo o orçamento público um processo político complexo em que os participantes possuem interesses muitas vezes conflitantes, observa-se que, num ambiente de grande incerteza e pobreza, os atores têm o incentivo de desenvolver estratégias com o objetivo de aumentar sua respectiva margem de manobra. Deste processo dinâmico emergem padrões de comportamento identificados como anômalos, porém racionais.

Ainda dentro desta linha comportamental, deve-se evitar o sentimentalismo de assumir que todo ser humano (os servidores públicos em particular) tenta a todo tempo promover altruisticamente o bem social, e paradoxalmente seria necessário também evitar a demagogia de assumir que todo mundo está inteiramente e constantemente motivado pelo interesse pessoal.

A condenação da doutrina do igualitarismo é evidente em todas as formulações do autor, como de resto, em todas as correntes do liberalismo. Como defensor de uma sociedade de homens livres (não necessariamente igualitários), Buchanan propõe que um “teste indireto sobre o grau de coesão de uma sociedade pode ser oferecido pela extensão de atividades que são deixadas livres (abertas) ao controle informal e aquelas reguladas por um controle formal”. É patente nas reflexões do autor uma concepção de liberdade, própria da doutrina liberal clássica, pensada como uma esfera de ações em que não há controle por parte dos organismos estatais.

Mais do que prescrever uma redução das atividades estatais, Buchanan se propõe ao que chama de “revolução constitucional”, isto é, reformas das instituições e dos órgãos decisores no sentido de estabelecer novos procedimentos segundo os quais as decisões serão tomadas.

Referências bibliográficas
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* Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, PUC-SP. Email: mdayeas@terra.com.br
1 Referência à obra clássica de Thomas Hobbes.
2 Bergson (1938), Samuelson (1947).
3 Vilfredo Pareto, economista e sociólogo italiano de origem francesa nascido em Paris. Considerado um dos ideólogos do movimento fascista, elaborou a teoria de interação entre massa e elite e aplicou a matemática à análise econômica, mais conhecido por sua dedicação à matemática voltada para a economia e a sociologia. Educado na Itália, estudou matemática e literatura e graduou-se em física e matemática (1867) e em engenharia (1870) no Instituto Politécnico de Turim.
4 Lafer (1991) afirma que, o antipaternalismo é outra característica identificadora da doutrina liberal. Traduz-se na deslegitimação da função de interveniência do Estado na vida das pessoas com fundamento na avaliação de que todo indivíduo precisa ser protegido até dos seus próprios impulsos e inclinações. Stuart Mill, como aponta Bobbio, da mesma maneira que Locke e Kant é um antipaternalista e o seu pressuposto ético é o de que “sobre si mesmo, sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano”.
5 Olson (1965) define pluralismo como “...the political philosophy which argues that private associations of all kinds [labor unions, churches, cooperatives etc] should have a larger constitutional role in society and that the government should not have unlimited control over the plurality of these private associations. It opposes the Hegelian veneration of the nation state, on the one hand, but fears the anarchistic and laissez-faire individualistic extremes, on the other, and ends up seeking safety in a sociey in which a number of important private associations provide a cushion between the individual and the state.” Há um conjunto expressivo de trabalhos que enfatiza a necessidade de se resgatar o sentido de “interesse público” na tomada de decisões. Ver MACFARLAND, A.S. -”Interest groups and the policymaking process: sources of countervailing power in America” in PETRARCCA, M.P. (Ed.) The politics of interests. Boulder, Westview, 1992. MAJONE, G. -Evidence, argument and persuasion in the policy process. New Haven, Yale University Press, 1989. SHAPIRO, M. -Who guards the gardians? Athens, University of Georgia Press, 1988. COLLIARD, C.A. & TIMSIT, G. (Eds.) - Les autorités administratives indépendantes. Paris, PUF, 1988.
6 Olson (1965) se destacou no estudo dos grupos de interesse.
7 Aqui, Buchanan exprime novamente sua formação liberal e usa contextualizações sobre o indivíduo de Stuart Mill, que vê, assim, na liberdade de pensamento e discussão, a condição para o contínuo estímulo da atividade intelectual e do progresso humano, chamando a atenção para o questionamento de verdades que se tornam dogmas mortos, e não verdades vivas, quando não debatidas livremente.
8 Alexis Charles-Henri-Maurice Clérel de Tocqueville nasceu em Paris, em 29 de julho de 1805 e morreu em Cannes, a 16 de abril de 1859. Viveu, portanto, o período mais atribulado da história francesa durante o século XIX. Ele nasceu pouco tempo após o Terror da Revolução Francesa (sobre a qual escreveria uma obra clássica). A infância transcorreu sob as vicissitudes de Napoleão. Assistiu a restauração da monarquia sob Luís XVIII e Carlos X (a quem seu pai serviu) e à sua subsequente derrubada por Luís-Felipe.
9 Buchanan, J. e Tullock, G. - The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy. Michigan, The University of Michigan Press, 1965.
10 Contratualismo – família de teorias morais e políticas que fazem uso da ideia de um contrato social. Tradicionalmente, filósofos, como Hobbes e Locke, usaram a ideia do contrato social para justificar certas concepções do Estado.
11 Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, onde a erradicação de um inconveniente no mundo dos homens só se realiza com a constituição de um outro.
12 Os enunciados do behaviorismo ou comportamentalismo pretendiam estipular contornos mais “científicos” às chamadas ciências do homem. As origens deste debate remontam às discussões que objetivavam delimitar um campo próprio à reflexão filosófica, diferenciando-o daquele constituído pelo conhecimento científico.
13 David Hume foi o mais influente dos filósofos do Iluminismo escocês. Nascido em Edimburgo a 7 de maio de 1711, suas idéias afetaram todos os cientistas e filósofos que o sucederam. Suas principais obras filosóficas foram: Um Tratado sobre a Natureza Humana (1739), Investigação sobre o Entendimento Humano (1748, desdobramento do primeiro volume do “Tratado”) e Investigação sobre os Princípios da Moral (1751, desdobramento do segundo volume do “Tratado”). Essas três obras continuam atuais e, graças a sua elegante e despojada linguagem, ainda falam diretamente ao leitor do século XXI.

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