quarta-feira, 20 de junho de 2012

bolsa família: polêmica Reinaldo Azevedo x professor João Manoel Pinho de Mello

Quem acompanha os blogs de economia brasileiros, a essa altura já deve ter caído em algum post sobre a polêmica Reinaldo Azevedo x professor João Manoel Pinho de Mello e outros pesquisadores da PUC-RJ e do Banco Mundial. Abaixo tento organizar o que já se falou até agora e depois coloco minhas três linhas de pitacos:

1. Este é o link para o trabalho original, que não necessariamente foi lido por quem o criticou ou defendeu:

Chioda, Laura & de Mello, João M. P. & Soares, Rodrigo R., 2012.
"Spillovers from Conditional Cash Transfer Programs: Bolsa Família and Crime in Urban Brazil,"
IZA Discussion Papers 6371, Institute for the Study of Labor (IZA).

2. O Globo usou os resultados do paper para a matéria:

Bolsa Família reduz violência, aponta estudo da PUC-Rio

4. Vieram as reações da blogosfera: primeiro do Adolfo Sachsida, depois do Márcio Laurini.


5. O professor João Manoel Pinho de Mello escreveu uma resposta furiosa ao post do Reinaldo Azevedo, tentando explicar algo da metodologia do trabalho e suas limitações (não sem algum nível de "carteirada" e diminuindo o "blogueiro").


6. O Reinaldo treplicou em cima da resposta do professor e, aparentemente, ainda sem se dar ao trabalho de tentar ler o paper.


7. Nesse tempo, a blogosfera entrou em combustão:


- "O" Anônimo, do A Mão Visível, aproveitou os posts do Reinaldo para fazer algumas críticas pertinentes ao paper (aqui e aqui - vale ler também os comentários), com muito mais propriedade;


- Márcio Laurini comentou a resposta do professor e a tréplica do R.A.;


- Sachsida criticou o tom agressivo que tomou conta do debate;




- Mansueto Almeida falou sobre os limites da econometria e desse tipo de pesquisa;




- Prosa Econômica acha que o R.A. armou um circo;


- Cristiano Costa entendeu a indignação do professor;


- Selva Brasilis argumenta que todos os envolvidos saem arranhados.


- Leonardo Monasterio sacou uma regra de bolso para saber quando se deve debater.


8. O R.A. ainda publicou uma "opinião de expert" totalmente furada (mais um que não leu o paper), que o Selva esculachou.


Ainda devo ter perdido alguma coisa (avisem nos comentários, por favor). Faltou a minha contribuição, provavelmente pouco relevante depois de tudo isso:


- Eu tive um pouco de preguiça dessa história desde o começo, confesso. Principalmente porque qualquer um que acompanha ou já acompanhou o Reinaldo Azevedo sabe do viés (pra não dizer ranço) antipetista dele. Para mim, o mais provável é que ele leu a notícia, não gostou da conclusão e começou a atacar a partir daí, sem gastar o mínimo de tempo conferindo se o trabalho acadêmico dizia aquilo mesmo ou tentando entender a metodologia. 
Também imagino que, se os mesmos pesquisadores tivessem usado exatamente a mesma metodologia e concluído que o Bolsa Família aumenta a criminalidade, ele teria destacado os resultados e chamado os autores de algo como "luzes de racionalidade no meio da névoa petralha". Enfim: não acho que o Reinaldo tenha muito compromisso com a realidade ou honestidade intelectual, ele tem uma agenda política que paira acima de tudo isso, para prejuízo do debate e conforto de quem prefere opiniões prontas e mastigadas.

- Como o Cristiano, entendo a fúria na resposta do professor. Assumindo que o trabalho foi bem feito, custou muito tempo e dedicação, etc (e não vejo motivos para duvidar disso), não deve ter sido legal ver ele sendo desmerecido em um post com uma reflexão superficial influenciada por ideologia e total ignorância sobre como esse tipo de pesquisa é conduzida e tratada. Isso levou a uma resposta que, mesmo informativa, carregou no tom de "falamos do alto da torre de marfim" e pode ter levado a um reforço no preconceito do público geral (sobretudo o leitor do R.A.) com a pesquisa acadêmica. 
Vendo tudo agora, creio que a resposta mais adequada dos pesquisadores seria um texto de duas ou três páginas bem didático, explicando, em termos simples (mas não simplórios), a pesquisa, os resultados e suas limitações. Tendo sido feita a propaganda, esse texto seria bastante útil para o público e poderia aumentar a reputação da academia. Perdeu-se essa chance, paciência, e, de novo, passado o tempo e à distância, é mais fácil criticar. É difícil ser conciliador logo depois de alguém pisar no seu calo, reconheço.

- Vários doutores em economia que estudaram algumas vezes mais do que eu já comentaram a parte técnica da pesquisa, e nesse quesito não tenho muito a acrescentar. As credenciais dos autores são muito boas, o que me leva a crer que é baixa a probabilidade de terem cometido alguma barbaridade metodológica. Além disso, o trabalho, para ser publicado, deve ter passado por várias revisões técnicas. Uma coisa é a metodologia e os dados usados terem limitações (e tenho pouca dúvida que os pesquisadores são dos primeiros a reconhecê-las), outra é achar que elas invalidam totalmente o trabalho.

- Para quem ficou só nos posts do R.A., provavelmente vai mesmo sair com a impressão que pesquisadores são uns lunáticos, não sabem nada sobre o mundo real e perdem-se entre seus cálculos esotéricos. Uma pena. Se há algo que esse debate todo evidenciou é: primeiro, a ignorância geral sobre a metodologia de pesquisa econômica e a confusão ao tomar resultados estatísticos (aceitáveis apenas dentro de um grau de confiança e, portanto, sempre sujeito a erros) como peças de ideologia ou conclusões determinísticas ou lógicas e; segundo, as dificuldades da academia na comunicação com jornalistas e o público leigo. 
Por outro lado, reforçou-se o estereótipo (que acho errado, fique claro - ou pelo menos é errado para toda a classe) que jornalistas não têm espaço ou capacidade para ir além da superficialidade. Talvez ainda haja algum esclarecimento nesses sentidos, mas, por enquanto, as chances foram perdidas. Em resumo: quem não tem formação em economia ou acompanhou apenas um dos lados da discussão provavelmente saiu com preconceitos reforçados e pouco mais.

- Como tinha dito, a história toda me deu um pouco de preguiça no início. Porém, como disse um amigo, levou a boas discussões sobre pesquisa acadêmica, econometria, causalidade, comunicação, política, etc; além disso, não lembro de outra questão ter mobilizado tanto a blogosfera econômica brasileira (aqui está o ex-preguiçoso, empolgadão, terminando texto à 1 da manhã) - que sempre deveria dar as boas-vindas a esse tipo de diálogo e, no fim das contas, enriqueceu com essa história.  Serendipity, baby.

P.S. Outra coisa legal que surgiu nas discussões foi esse texto que o goombagoomba indicou, sobre a crítica conservadora à educação superior.

P.P.S. Bem que o Hermenauta podia sair da hibernação para entrar na discussão.


Um comentário:

  1. Querido Prof. Freitas,

    Queria acrescentar um outro comentario a discussao. Ha uma mistura entre a "resposta arrogante", a ausencia de discussao cientifica, e o desrespeito total a pesquisadores em geral, pelo simples fato de terem doutoramento no exterior, ou receberem financiamento publico de sua pesquisa (justamente para evitar o bias de empresas privadas!!). Pensemos no seguinte exemplo.

    Existe um paciente no mundo cuja AIDS foi curada, e desapareceu completamente. Existem milhares de outros que a doenca nunca foi curada. Cientistas estudaram e publicaram muito sobre este um paciente, porque (1) e um caso interessante e portanto pode desvendar os mecanismos de quando a doenca pode ser curada; (2) os dados sobre este paciente sao extensos e de facil acesso aos pesquisadores e (3) e um topico de interesse amplo. O governo de varios paises financia estes cientistas. Industrias farmaceuticas tambem. E ai, sao todos picaretas? Claro que nao... Acho que a questao do financiamento da pesquisa de um economista e marginal quando o estudo e estatistico/econometrico. Voce pode debater, e refazer o estudo e mostrar outras conclusoes. isto e ciencia. Agora, o tempo todo questionar a idoniedade do cientista, porque ele "e arrogante", ou "fez doutorado fora", ou "recebeu bolsa do governo"? Economistas respeitaveis do mundo inteiro recebem dinheiro publico para avaliar politicas do governo. Seus artigos sao publicados apos avaliacao duplo cega. E quem discorda, tem direito de fazer um estudo desancando, ou ate escrever uma carta para a revista apontando erros na metodologia ou limitacoes... Dai a sair batendo? E obvio que o jornal vai pegar o que esta no artigo, e transformar em algo popular. Acho que a discussao evidencia que o metodo PT de debater desancando todo mundo, e encontrando criticas de pirro e muito ruim e danoso a ciencia no pais. Em relacao aos resultados da pesquisa em si, ele e tao pequeno que me surpreendeu o debate. 20% da reducao do crime em Sao Paulo e potencialmente explicado pelo Bolsa Familia.... Ou seja: (1) E focado em SP, (2) 80% da reducao explicado por outras coisas, (3) quem quiser, le o artigo e aplica a metodologia aonde mais existerm os dados !! (4) O aumento da criminalidade em outros estados pode ser explicado por outras variaveis, e de repente o estudo pode ate mostrar que teria aumentado ainda mais sem bolsa familia! (5) Eu nunca fui a "favor" do bolsa familia, nem sou hoje em dia... Mas se quero atacar o prof. da PUC-RJ tenho que apresentar algum argumento melhor. Um estudo cientifico ou algo do genero... e (6) o estudo nao esta favorecendo o bolsa familia como a melhor politica.. No artigo nao vi julgamento de valor algum. Pelo contrario, e puramente tecnico.... Achei muito injusto que quem bate (RA) tem uma plataforma facil para acabar com a reputacao de um professor... Mas o professor, alem de fazer a pesquisa, ser socialmente adequado (sim, existem cientistas anti-sociais !!!), ainda tem que concorrer com o RA... E impossivel... Naturalmente este cara vai sair do pais, se tiver as minimas condicoes de trabalho no exterior. E a irracionalidade exponencial em acao.

    PS: Eu lembro da famosa pergunta: "sim ou nao: voce ja parou de bater na sua mulher"? Este tipo de retorica e otima para provocacao, mas nao tem valor algum em um debate ou em ambito cientifico... E triste que tudo no Brasil esteja sendo reduzido a isso.

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