terça-feira, 18 de setembro de 2012

Como matar a Borboleta Azul



Resultado de imagem para Um dia, a borboleta azul sumiu para sempre do sul da Inglaterra.

(Publicado no O Globo a Mais de 11/09/2012)

Final dos anos 70, sul da Inglaterra. Uma infestação inédita de coelhos ameaçava os prados verdejantes e as plantações das fazendas da região, levando os produtores a declarar que uma crise ambiental estava prestes a ocorrer e a pedir socorro ao governo. Para evitar um massacre possivelmente infrutífero de coelhos, já que a taxa de reprodução dos animais é quase inigualável na natureza, as autoridades encontraram uma solução “brilhante”. 

Inocularam os bichinhos com o vírus da mixomatose, uma doença que ataca, sobretudo, os coelhos, deixando-os letárgicos, mais suscetíveis aos seus predadores naturais, menos inclinados a se reproduzir. Inicialmente, o experimento foi um sucesso. A população de coelhos caiu vertiginosamente, preservando as plantações e evitando a temida catástrofe. 

Contudo, a estrada para o inferno é pavimentada de boas intenções, como diz o famoso aforismo.

Com menos coelhos a mordiscar a vegetação, ervas daninhas proliferaram e a grama cresceu mais do que o normal. O crescimento da grama acabou aniquilando a população de um tipo de formiga que só sobrevivia alimentando-se da grama mais baixa. Infelizmente, esta formiga tinha laços estreitos com a borboleta azul que ilustra este artigo, carregando seus ovos para o formigueiro e cuidando de suas larvas até que se tornassem lagartas adultas. 

Sem a proteção das formigas, os ovos da borboleta azul ficaram expostos aos predadores. 

Um dia, a borboleta azul sumiu para sempre do sul da Inglaterra.

A história verídica da borboleta azul inglesa, a Maculinea arion, é um exemplo das consequências indesejáveis provocadas pelas supostas boas intenções. A boa intenção do governo brasileiro é proteger os produtos confeccionados no País da concorrência daqueles que vêm de fora, imaginando que, como os coelhos ingleses, possam causar um desastre ambiental na indústria nacional, já fragilizada por outros fatores. Para isso, inoculam os importados com a variante local da mixomatose, as tarifas de importação. 

Na semana passada, as autoridades divulgaram uma lista de cem produtos que ficariam sujeitos aos impostos mais elevados até o fim de setembro. O Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, disse também que a negociação de acordos bilaterais de livre comércio, como os que estavam em andamento com o Canadá e com a União Europeia, terá de aguardar até que o setor industrial doméstico possa ser consultado.

Na lista de produtos cujas tarifas serão elevadas estão as famosas batatas, pneus, autopeças, produtos siderúrgicos, materiais de construção, plásticos, utensílios de cozinha, e por aí vai. Da lista consta também a Espironolactona. A Espironolactona é um diurético especial. Ela previne a absorção de sal pelo organismo, ao mesmo tempo em que preserva os níveis de potássio normalmente expelidos na urina. Controlar a absorção de sal é fundamental para os hipertensos e para as pessoas com problemas cardiovasculares. Preservar os níveis de potássio no organismo também é essencial para os doentes do coração, pois a deficiência do mineral pode causar arritmias cardíacas, além de provocar fraqueza muscular e fadiga. 

Ou seja, o aumento da tarifa de importação da Espironolactona pode ter o efeito perverso de levar a um aumento dos preços dos medicamentos que a utilizam como princípio ativo, quem sabe fazendo com que os doentes e seus médicos a substituam por remédios menos eficazes no tratamento de suas patologias.

Há uma vasta literatura que documenta os efeitos adversos das medidas protecionistas sobre a atividade econômica. De um modo geral, estas medidas privam a economia das transferências tecnológicas possibilitadas pela abertura do comércio, transferências que aumentam a produtividade e enaltecem a vitalidade econômica. 

A tarifa de importação sobre a Espironolactona é a metáfora perfeita para os efeitos adversos do protecionismo supostamente bem-intencionado. Ao suprimir a oferta deste componente químico, as medidas protecionistas podem acabar gerando, na economia, um estado de fadiga crônica e de fraqueza muscular perene, a letargia da mixomatose.

Mata-se a borboleta azul do crescimento. Sobra a lagarta vermelha, que, na melhor das hipóteses, se transforma apenas numa mariposa cinza.

Por Monica Baumgarten de Bolle

Um comentário:

  1. Uma excelente comparação a nossa atual realidade sócio econômica e moral!!!
    Parabéns....
    Ouvi na CBN, um relato sobre essa historia, mas não peguei o nome do seu criador. Rápido fiz uma reflexão do contexto politico atual, e levei esta frase a ser postada na minha rede social. ``A MORTE DA BORBOLETA AZUL.´´ E colei um linda imagem de uma borboleta. O resultado da incomodação politica foi imediato, e em sua totalidade a duvida se pairou....o que é a morte da borboleta azul?
    recebi varias mensagem particulares de amigos intrigados com a frase, e mais ainda indignação de políticos que disputavam o pleito nas campanhas eleitorais deste ano.
    A letargia da mixomatose, tem efeito catastrófico....

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