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Além dos nove estados nordestinos, o FNE também está presente em parte de Minas e Espírito Santo.
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Aprovada por apenas 10% dos nordestinos, como mostra a última pesquisa do Instituto Datafolha, a presidente Dilma Rousseff se apressou a visitar nesse mês alguns estados da região que tanto a favoreceu nas urnas nas eleições de 2010 e 2014. Em São Luís fez questão de registrar: "No passado, o Norte e o Nordeste não eram considerados estratégicos. Hoje, quem desconhecer o Norte e o Nordeste presta um desserviço ao país".
Mas não é bem assim a realidade. À frente de um governo que parece já extinto antes do primeiro ano de mandato, a presidente traduz a prioridade à região de uma forma até sombria. Tem-se esmerado em mostrar o contrário.
Em seis meses, a sra. Rousseff enterrou as refinarias previstas para o Ceará e o Maranhão; negou, pela segunda vez, a fixação de piso para aplicações do BNDES na região; praticamente paralisou os demais investimentos da Petrobras na região; desandou com o projeto da ferrovia Oeste-Leste; não avançou com as obras de mobilidade em cidades como Fortaleza e Salvador, tampouco com os programas Água para Todos, Prodiesel e de irrigação, entre outros. Mais para trás, acabou com o DNOCS, sepultou a Sudene e esvaziou o BNB, trancou os investimentos da Petrobras e retirou 30% dos recursos do FNE para fazer caixa e pagar juros da dívida.
Desgraça pouca
Como nada é tão ruim que não possa piorar, antes de embarcar para suas visitas ao Maranhão, Bahia e Pernambuco, a presidente Dilma Rousseff autorizou a remessa ao Congresso Nacional de uma proposta de emenda à Constituição profundamente prejudicial à economia regional.
Trata-se da PEC 87 que retira 30% dos recursos destinados ao Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). Consideradas as transferências atuais do Tesouro Nacional para o Fundo, da ordem de R$ 7,2 bilhões em 2015, a tunga ficaria em R$ 2.160 milhões, este ano. Se a contingência pretendida for com base no orçamento de aplicações aprovado para 2015 (R$ 13,3 bilhões) então esse montante é de quase R$ 4 bilhões.
Esse total atingiria todos os nove estados nordestinos e as áreas de Minas Gerais e Espírito Santo incluídas na jurisdição da Sudene, totalizando 1.999 municípios.
A partir dos parâmetros de distribuição espacial dos recursos adotados para 2015, os maiores prejuízos ficariam com Bahia (R$ 470,8 milhões), Ceará (R$ 328,3 milhões) e Pernambuco (R$ 308,8 milhões) detentores, respectivamente, de 21,8%, 15,2% e 14,3% do bolo orçamentário. Nos demais estados nordestinos, as perdas seriam as seguintes: Maranhão (R$ 209,5 milhões), Piauí (R$ 192,2 milhões), Rio Grande do Norte (R$ 144,7 milhões), Paraíba (R$ 134 milhões), Alagoas (R$ 101,5 milhões) e Sergipe (R$ 97,2 milhões).
No global, ao longo da vigência da PEC (até 2023), o prejuízo alcançaria cerca de R$ 32 bilhões.
FNE DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS POR ESTADO – 2015 E ESTIMATIVA DE PERDAS COM A PEC-87.
ESTADO
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VALORES EM R$ MILHÕES*
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PART.% NO TOTAL
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PERDAS EM R$ MILHÕES **
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PERDAS TOTAIS EM R$ MILHÕES ***
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Maranhão
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1.295,0
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9,7
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388,5
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3.108
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Piauí
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1.185,0
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8,9
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355,5
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2.844
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Ceara
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2.015,0
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15,2
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604,5
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4.836
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Rio G.do Norte
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895,0
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6,7
|
268,5
|
2.148
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Paraíba
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820,0
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6,2
|
246,0
|
1.968
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Pernambuco
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1.900,0
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14,3
|
570,0
|
4.560
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Alagoas
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620,0
|
4,7
|
186,0
|
1.488
|
Sergipe
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600,0
|
4,5
|
180,0
|
1.440
|
Bahia
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2.905,0
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21,8
|
871,5
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6.972
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Minas
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730,0
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5,5
|
219,0
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1.752
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Esp. Santo
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335,0
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2,5
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100,5
|
804
|
TOTAL
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13.300
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100,0
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3.990
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31.920
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Fonte: BNB-FNE Programação 2015. (*) Em R$ milhões; (**) No ano; (***) Na vigência da PEC (2016-2023), tomando por base os valores do orçamento de 2015.
A retenção de parte dos fundos constitucionais foi embutida na proposta que prorroga a desvinculação de receitas da União (DRU) relativa a impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, até 31 de dezembro de 2023.
A justificativa governamental é a de que a estrutura orçamentária e fiscal do país possui elevado volume de despesas obrigatórias, bem assim "vinculação expressiva das receitas orçamentárias a finalidades específicas".
Conforme Dyogo Henrique de Oliveira, um dos secretários do Ministério da Fazenda, essa vinculação reduz o volume de recursos livres que "seriam essenciais para implementar projetos governamentais prioritários".
Dyogo Oliveira, até pouco tempo presidia o Conselho de Administração do Banco do Nordeste, explica que o mecanismo da DRU já vige desde 1994, sendo renovada periodicamente.
A diferença da proposta atual para as anteriores é a gulodice oficial pois propõe o aumento da alíquota de 20% para 30% e a inclusão nela, pela primeira vez, dos recursos destinados anualmente aos fundos constitucionais do Norte (FNO), Centro-Oeste (FCO) e Nordeste (FNO).
Gritaria geral
O adendo oficial à DRU repercutiu muito mal no Congresso Nacional entre deputados e senadores das bancadas dessas regiões, tanto da oposição quanto da chamada base, provocando a realização de uma série de eventos nas comissões legislativas e inflamadas intervenções em plenário.
Ao longo da semana legislativa finda na quinta-feira (20), expressões e palavras como 'provocação', 'chacota', 'perplexidade', 'oportunismo', 'decisão grave', 'tungada', 'iniciativa lamentável', 'atitude inconsequente' serviram para caracterizar o descontentamento dos parlamentares com o texto da PEC 87/2015 relativamente aos fundos constitucionais.
O sentimento geral é de que esse dispositivo não prosperará na Câmara ou no Senado. A manifestação do senador Humberto Costa (PE) reflete a opinião de muitos de seus colegas: "não sei de quem partiu 'ideia tão genial', mas jamais vai receber nosso apoio".
A contrariedade dos parlamentares tem respaldo em variados setores da economia regional. É que os fundos constitucionais voltados para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste representam a principal fonte de investimentos de longo prazo dessas regiões, bem assim de revigoramento da agricultura familiar.
No caso do Nordeste, por exemplo, de acordo com o economista Francisco Chagas Soares, diretor de Fomento do BNB, órgão encarregado de operacionalizar o FNE, nos últimos cinco anos o fundo garantiu contratações no montante de R$ 60,1 bilhões na economia regional. Para este ano, o orçamento previsto é de R$ 13,3 bilhões.
Em relação ao Produto Interno Bruto nordestino, as disponibilidades financeiras do FNE ainda representam muito pouco, em volta de 2,4% considerada a projeção de um PIB de R$ 555 bilhões feita pelo ETENE para 2014. Com essa modesta proporção, em vez de esvaziar, torna-se imperativo fortalecer o FNE para melhor atender às demandas por crédito no Nordeste.
Vale salientar que a distribuição dos recursos do FNE é feita por setor econômico, programas de financiamento e atividades (ver quadro), com ênfase para os setores rural e agroindustrial focados na geração de emprego e renda.
Desconhecimento
Embora tenha repercutido negativamente nas regiões beneficiárias, no Congresso Nacional, assembleias legislativas e entidades variadas, a presidente Dilma Rousseff desconheceu solenemente a questão em suas vindas ao Maranhão e Bahia. O mesmo aconteceu com o ministro Joaquim Levy ao participar de um seminário na sede do BNB, em Fortaleza.
A presidente Dilma costuma afirmar que o Nordeste teve um desempenho espetacular nos últimos anos. Mas não é bem assim a coisa. Esse crescimento de um a dois pontos acima do nacional não é suficientemente grande para nos aproximar das áreas mais ricas.
O Nordeste continua como o maior credor da dívida social brasileira, aquela referente à pobreza, ao desemprego, do analfabetismo, à má distribuição de renda, do desemprego e da mortalidade infantil. Um quadro cuja reversão é constantemente motivo de promessas. Especialmente em épocas de eleição.
Os nordestinos já são 56 milhões de almas em nove estados e quase um quinto do território brasileiro. Sua renda per capita é menos da metade da nacional – precisamente 48% ante 47% em 1960. A participação no PIB decresceu de 14,7%, em 1960, para 13,5%, atualmente; a representatividade da indústria não chega a 10% da nacional - permanecendo praticamente no mesmo patamar de 20 anos atrás, mais ou menos a mesma participação da agricultura. A região tem mais da metade dos trabalhadores que ganham menos de 50% do salário mínimo, quase 50% dos trabalhadores com renda abaixo de um salário mínimo, a maior parte dos analfabetos com idade acima de 10 anos e de famílias sem acesso á água e saneamento.
A persistir a retórica dos mandatários torna-se cada vez mais realista a observação do sábio Ariano Suassuna, falando das vicissitudes do Nordeste:
...é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.
AGÊNCIA PRODETEC